Quando completou 37 anos, no dia 23 de janeiro, provavelmente Rogério Ceni não imaginou que 2010 seria tão turbulento. Habituado a ser idolatrado por torcedores, companheiros, comissão técnica e diretoria do São Paulo, o goleiro alterna neste ano atuações fantásticas, como a que evitou a derrota para o Monterrey no México, pela Libertadores, com falhas de principiante, como nos gols que sofreu de Roberto Carlos, do Corinthians, e Durval, do Santos, pelo Estadual. O problema é que, pela primeira vez nos últimos anos, a fase ruim está se sobressaindo à boa.

Mas, mesmo nesse cenário, questionar a influência da instabilidade do capitão e principal jogador são-paulino na nada empolgante campanha no ano ainda é um tabu no Morumbi. “O Rogério é uma engrenagem de todo o trabalho. Falhas todos têm. Ele é importante pela personalidade e pelo respeito que impõe aos adversários”, analisou o técnico Ricardo Gomes.

Com contrato renovado até dezembro de 2012, quando terá quase 40 anos, o goleiro não pensa em parar antes disso. Mas quem convive com ele no CT da Barra Funda o percebe mais distante nesta temporada. Entrevistas são raras, como a que concedeu quarta-feira, depois da vitória sobre o Once Caldas. Evitou falar de suas atuações, focando mais na análise do time e da crise iniciada com a reclamação pública do companheiro Washington.

Ao se colocar como uma das peças que está falhando, frase também da coletiva de quarta-feira, Ceni admitiu nas entrelinhas saber que, se não o contestam como ídolo, todos no Morumbi já podem falar abertamente de suas falhas, algo improvável há pouco tempo. Para sua sorte, não há neste momento, assim como nos últimos anos, um reserva à altura para substituí-lo, o que lhe ajuda a garantir a vaga.

“É um jogador que merece toda a reverência por tudo que já fez e o que vai fazer pelo clube. Renovamos com ele até 2012 porque sabemos que ele vai render bem até lá”, disse o diretor de futebol, João Paulo de Jesus Lopes. Profissionais de diversas áreas do futebol ouvidos concordam com Lopes. Segundo eles, Rogério tem gás para jogar mais dois anos.

Lado a lado
Haroldo Lamounier trabalha com Rogério Ceni desde 2003 e continua sendo o responsável pela preparação dos goleiros do São Paulo. Ele não avalia a fase de Ceni como ruim. “Ele é um profissional que busca a perfeição todos os dias, com altos e baixos como a equipe. No Paulista ele fez grandes jogos também e evitou derrotas”, afirmou Lamounier.

O São Paulo prepara Denis para quando Rogério parar. O jogador, revelado na Ponte Preta, tem 22 anos e é elogiado por Lamounier, mas ainda não está pronto. “Temos também o Fabiano, que está emprestado ao Santo André. Mas são promessas, não tem como saber se vão se confirmar”.

Lamounier explicou o motivo de não dar já uma chance a Denis. “No gol, a experiência conta mais do que a juventude”. A vida útil de um goleiro normalmente dura mais do que a de um jogador de linha. Vide Marcos, 36 anos (oito meses mais novo que o são-paulino), ainda em ação no Palmeiras, ou o holandês Edwin Van der Sar, 39 e jogador do Manchester United. O médico do esporte e fisiologista Paulo Zogaib diz que um atleta próximo dos 40 anos tem condição física semelhante à dos mais jovens. O que pesa, segundo ele, é o saldo da "quilometragem".

“As lesões. Como o esporte é um futebol de contato, as lesões pode se suceder durante a carreira e prejudicar no final. Mas na parte aeróbica, de força ou potência, não há diferença. O atleta só vai começar a perder isso depois dos 45 anos”, explicou Zogaib.

Momento certo
Ceni tem tido problemas de lesões nos últimos anos, o que interrompeu uma carreira que até 2008 dava a impressão que passaria sem sustos. Em abril de 2009 fraturou o tornozelo e ficou quatro meses parado. Um pouco antes e depois disso, lesões musculares o atormentaram.

Sua motivação atual é chegar aos 100 gols – está com 89. Campeão paulista, brasileiro, sul-americano e mundial pelo São Paulo, além de ter sido reserva no título da Copa do Mundo de 2002 e ser o goleiro com mais gols na história do futebol, a marca centenária é o objetivo que resta.

“Só o Rogério vai saber o momento de parar. Eu, com 39 anos, achava que fisicamente poderia atuar mais uns dois anos. Mas percebi que o reflexo e a agilidade não eram os mesmos”, disse Valdir Joaquim de Moraes, goleiro nos anos 50 e 60. Hoje auxiliar técnico no Palmeiras, foi “seu” Valdir quem deu oportunidade para Ceni no início dos anos 90, quando era preparador de goleiros de Telê Santana.


“Ele ia voltar para a cidade dele no Mato Grosso do Sul (Sinop, onde começou a jogar). Estava sem perspectiva. Mas o achei com muita personalidade e indiquei para o Telê. Acertei mais um (risos)”, disse Moraes.

Zetti foi o “culpado” por Rogério quase ter desistido da carreira e ter voltado ao Sinop. Era o titular inquestionável no começo dos anos 90, mas também teve uma queda de produção, deixou o clube em 97 e encerrou a carreira em times pequenos.

“Acho que o Rogério ainda tem muito chão. Goleiro para ficar jogando com mais idade tem que estar em time grande. Ai você tem uma defesa confiável, que dá sustentação, você tem um preparador bom. Se não, você toma muito gol e só se queima”, disse Zetti, que tenta a carreira de treinador e tem uma escola de goleiros.

Para Lamounier, Rogério se cuida a ponto de estar bem para continuar atuando em alto nível por bastante tempo. E não vê motivo para tirá-lo do time. Ricardo Gomes concorda, João Paulo de Jesus Lopes e Juvenal Juvêncio também. Enquanto o presidente quiser, a camisa 1 tem dono e ninguém tasca.