Ceni lembrou com nostalgia de momentos marcantes durante seus mil jogos pelo São Paulo
Foto: Fernando Borges/Terra

Rogério Ceni misturou bom humor, saudosimo e uma incrível gana por vitória em sua entrevista coletiva que antecede ao jogo de quarta-feira, contra o Atlético-MG, no Morumbi, em que completará mil jogos com a camisa são-paulina. O ídolo e capitão do time tricolor se recordou com alegria dos tempos em que, juvenil do São Paulo, tinha de separar as baratas dos pães que recebia para o lanche antes de dormir. Segundo ele, os atuais jovens das categorias de base, que trabalham no luxuoso Centro de Treinamento de Cotia, têm regalias demais.
Dos tempos em que chegou ao elenco profissional, Ceni lembrou da janta farta, sem baratas em meios aos pães, e do quarto com televisão e ar condicionado. "Não podia voltar de jeito nenhum", confidenciou. Rogério não voltou e ficou para fazer história. Para fazer 999 jogos, que viram mil na quarta-feira, diante de provavelmente mais de 60 mil são-paulinos que já esgotaram todos os ingressos.
Abaixo, confira os melhores trechos da entrevista de Rogério Ceni, que durou mais de 40 minutos no Estádio do Morumbi.
A IMPORTÂNCIA DOS MIL JOGOS
Os mil jogos já foram feitos por Pelé e Dinamite, já foram conquistados por outros atletas. No momento atual, fico feliz de ser o terceiro atleta a alcançar essa marca pelo clube da grandiosidade do São Paulo. Provavelmente demore um tempo para que aconteça, mas na evolução do futebol, preparação física evoluindo, quem sabe tenha alguém que faça isso que fiz. Se forem ultrapssadas ou não, são marcas pontuais que geram essa expectativa do torcedor são-paulino e de vocês (jornalistas)
MUNDIAL 2005: O JOGO MAIS IMPORTANTE
Talvez seja o que mais tenha marcado porque foi o jogo que conquistamos o título mais importante pelo São Paulo e repetimos 92 e 93 com um time fantástico que tinha, mas outros grandes jogos aconteceram, às vezes não em meio a campeonatos que são lembrados. Lembro desde a Conmebol (em 94) jogando como titular que foi importante para que isso tivesse acontecido. Cada um é especial, encaro como o primeiro ou o último, é o tempo que você tem de mostrar a qualidade e talento
FICAR TANTO TEMPO NO MESMO CLUBE
Hoje, um menino de 18 anos que faz sucesso tem proposta imediata da Europa e quem vai mal o clube não tem interesse em manter. As coisas mudaram muito, tudo gira na parte econômica e os valores são outros. As entrevistas eram para cinco televisões e cinco rádios. Se tinha 10 pessoas era muito. Vi a entrevista do título (brasileiro) de 86 com o repórter falando com o Muller embaixo do chuveiro. As coisas mudaram muito, mas temos o exemplo do Lucas com propostas e tudo, e mostra desejo de ficar no São Paulo, acho bacana. O Neymar no Santos ficando até hoje, o Ganso, são jogadores que o Brasil tem suporte econômico para manter, mas não é condenável o desejo de procurar espaço na Europa
PROJEÇÃO E COINCIDÊNCIAS
Eu não faço tantas projeções. O centésimo gol eu nem pensava. Aí chegou 2005 e eu fiz 21 gols. E aí, primeiro veio a marca dos 63 gols e depois a dos 100 gols. São emoções diferentes, mas nunca fiz essa previsão, data. Para mim, o mais importante é estar acontecendo agora, não a projeção feita meses atrás. É uma coincidência do dia que fui aprovado como goleiro do São Paulo e, 21 anos depois, estou completando minha milésima partida. Neste ponto sou predestinado de chegar a essa etapa na minha carreira
DIFICULDADES E AS BARATAS EM MEIO AOS PÃES
Morei quatro anos aqui dentro do estádio (Morumbi). Passei por dificuldades como todo garoto passou. No começo da minha carreira, não tinha uma lâmpada no corredor do estádio e as pessoas contavam histórias de pessoas que morreram na construção do estádio, de almas que vagavam pelo estádio. Eu ia pegar o pão à noite, naquelas bacias onde lavam roupas, porque eu não bebia e ainda não bebo café nem leite, e às vezes tinha barata perto do pão. Tinha que passar por aquilo mesmo. Hoje vejo, quando vou em Cotia, poxa vida...se eu tivesse tudo aquilo, talvez eu não tivesse a mesma gana que eu tive. Hoje vejo a grandiosidade do São Paulo, a cidade que virou Cotia. Pra mim o São Paulo era o máximo e é até hoje
OS MELHORES PARCEIROS DE ZAGA
Quando se citam nomes é uma coisa muito triste. Eu diria assim: tive grandes parceiros de zaga, desde Breno, Alex Silva, até o Rhodolfo, o Blackenbauer (risos), que é o João Felipe se revelando, o Bordon, o Márcio Santos, Capitão...mas dois extremos, vai: Miranda, tecnicamente, marcava qualquer jogador individualmente e, eu não podia deixar de destacar, o Lugano. Não posso compará-lo tecnicamente ao Miranda, mas chegou aqui sob desconfiança, cresceu muito e seu espírito, a vontade de vencer, é contagiante. Você avisava que a testa estava sangrando, ele enxugada e 'vamos lá, vamos ganhar'
A POLÊMICA COM O ARSENAL E O AFASTAMENTO NO SÃO PAULO
Aquela polêmica foi um dos momentos que eu tive mais predisposição de ir embora, mas aquilo acabou se superando, o tempo passando. Eu fiquei fora quatro semanas do clube. Não me arrependo de absolutamente nada. Ser honesto nesse país, isso é uma coisa que não está entre as principais qualidades do ser humano. Ao longo da minha carreira, todas as vezes que me procuraram, foi 2006, uma pessoa da Grécia veio e eu passei ela diretamente pra falar com o presidente. O Hannover me mandou fax uma vez pedindo ir pra lá. Sempre fui limpo e transparente e tentaram fazer com que eu me passasse por uma pessoa desonesta. Eu não posso falar a fundo porque eu teria que falar coisa que eu não posso provar sobre um presidente (Paulo Amaral)