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Bom resultado, atuação nem tanto

1) Sobre umas paradas que a gente aprende na escola

Newton poderia ter sido um cara qualquer, mas uma maçã teimou em cair sobre sua testa e ele decidiu complicar a vida de todos os vestibulandos que nasceriam depois. Assim, estudou o fenômeno e se tornou um gênio da Física. Se você fez o colegial e o cursinho, deve saber que, embora nunca tenha sido um congressista, Niltão - vamos chamá-lo assim - formulou leis. A terceira delas, a da ação e reação, serve como princípio fundamental para diversas aplicações e o futebol, de certa maneira, não foge a esta regra: é um jogo de ação e reação. Quando ouvimos que tal equipe vai "jogar por uma bola" ou "jogar no erro do adversário", podemos ter certeza que Niltão está em algum lugar do cosmos sorrindo com um radinho de pilha na mão, enquanto degusta um pomo.



Há quem descarte a importância da Física, com seus complicados movimentos uniformemente variados, sorvetões e sorvetinhos nas fórmulas, e se dedique mais aos estudos de História. Pois então, como bem sabemos, o esporte bretão é aquele em que o mais fraco tem chances reais de vencer o mais forte, através da aplicação de táticas - mais ou menos o mesmo princípio que, ao longo dos séculos, já levou exércitos menores e mais frágeis a, tomados por um sentimento de defensa y justicia, surpreenderem poderosos impérios inteiros no campo de batalha (nota mental: talvez A Arte da Guerra, de Sun Tzu, não seja apenas um livro qualquer desses que os BBB's levam para o confinamento na casa mais vigiada do Brasil).

Se preferirmos a política, devemos reconhecer que o futebol é um jogo num campo em constante disputa por espaços - assim como a pólis - e, segundo alguns, é a metáfora mais perfeita para relações de força e dominação, alternância de poderes, transformação coletiva e até o cada vez mais deturpado conceito de meritocracia - numa aplicação muito específica. Há o mais rico e favorecido que cobiça o ouro dos troféus, há o mais pobre que luta pela simples sobrevivência com as migalhas que recebe, mas que vira e mexe tem seu dia de caçador. Ah, e há o juiz, que simboliza as leis e as regras, mas que nem sempre é justo. A vida, afinal, também não é.

2) Sobre o confuso DNA do São Paulo 2017

E nós, dos degraus das arquibancadas, dos muquifos com pay-per-view e porções gordurosas de torresmo, do conforto do sofá comprado a prestações suadas ou do tablóide sensacionalista comprado na banca, nos dedicamos a julgar nossos times de coração, já que é isso que nos cabe como bons apaixonados. O São Paulo há anos é acusado por boa parte de sua massa de torcedores de ter "elencos medíocres" ou simplesmente pipoqueiros. Assim, troca de time como um grã-fino inseguro troca de roupa após não gostar do que vê no espelho. Nunca mantém sua base, nunca aposta na continuidade como receita do sucesso, pois não tem certeza de nada. Curiosamente, as roupas que joga fora ou doa costumam cair muito bem em seus novos donos - que o digam os clubes de Casemiro, Jadson, Rhodolfo, Maicon, Rogerio e Reinaldo.

Poderíamos aqui falar sobre como novos ventos parecem soprar pelos lados do Morumbi após uma horrorosa tempestade de Soberania nos últimos anos, mas vamos nos ater ao que dissemos nos primeiros 3 parágrafos para analisar não apenas os 2x0 sobre o Avaí, como também o momento atual desta equipe. Se quisermos mesmo falar de futebol, por um momento precisamos deixar o (importantíssimo) resultado em segundo plano e avaliar a performance. O que vem se repetindo de bom e de mau nessa equipe tricolor, que deixou de oscilar entre um jogo e outro para preocupantemente começar a oscilar dentro das próprias partidas? Eis um mistério.

Bem, a proposta inicial da dupla Ceni-Beale era de controle das ações (lembram dessa palavra?) dentro dos jogos. Domínio, posse de bola, apoio e agressividade (eu prometo não usar a palavra intensidade aqui). Isso ficou claro desde a Florida Cup e parecia um princípio inegociável: o time do Morumbi desejava ser sempre protagonista das partidas e propor o jogo. Quando perdia a bola, lutava para retomá-la imediatamente no campo ofensivo e, com isso, fez boas apresentações no Paulistão e na Copa do Brasil, chegando a ser apontado como a sensação do início de ano no Brasil.

Contudo, a exceção que parece ter passado despercebida foi o elogiadíssimo 3x1 de virada na Vila Belmiro, quando, marcando atrás do meio-campo e executando contra-ataques mortíferos, o São Paulo quebrou longo tabu. Ao fim do jogo, um exausto Cícero disse aos microfones: "Hoje, soubemos sofrer. Nossa equipe precisa saber sofrer". No português mais claro, o camisa 8 falou: tomamos pressão, mas isso não quer dizer que o jogo não tenha estado sob controle, já que executamos o plano de contra-atacá-los e matar o confronto. No boleirês: nem sempre precisamos propor o jogo. Às vezes, ser reativo é a melhor estratégia.

[adianta o filme em 3 meses, corta para maio, 3 eliminações de mata-mata, uma prancheta, um fair play e uma Itaipava depois]

3) Sobre a estreia contra o Cruzeiro

Após os seguidos reveses e os inúmeros gols sofridos no Paulista, Rogerio Ceni sinalizou com uma nova ideia. Contra a Raposa, na estreia do Brasileiro, o treinador alterou o esquema, entrou mais precavido e, num 3-4-2-1, fez bom primeiro tempo sem nem sequer sofrer - exceto por uma falha clara de um de seus zagueiros. Não é preciso ser agressivo o tempo inteiro para controlar um jogo, e isso quem nos ensinou foi o próprio Cruzeiro um mês antes no Morumbi, pela Copa do Brasil. Dolorosamente, o rival Corinthians também provou que ser defensivamente competente não é abdicar de jogar, e sim saber disputar os espaços com sabedoria, deixar o adversário desconfortável e isolado, e, por fim, sobrepor sua proposta de jogo à dele.

Pois bem, depois de sofrer um gol relâmpago no início da segunda etapa (fruto de outra falha clara de outro zagueiro), Rogerio imediatamente abortou o plano A e colocou o time num ortodoxo 4-2-3-1 que mal fez cócegas aos cruzeirenses. O esquema tático obviamente tem sua relevância, mas as funções, as instruções, as características e a escolha das peças é que são determinantes para dizermos se uma equipe jogou bem ou mal em certo período da partida. É possível afirmar com segurança que, no primeiro tempo no Mineirão, o Tricolor fez o que seu treinador queria: cercou o meio-campo e especulou ataques em estilingadas pacientes. No segundo tempo, definitivamente não. Se a ideia ao sacar um zagueiro (Militão) e apostar num meia (Thomaz) era passar a propor o jogo, pressionar, retomar a posse rapidamente e ter a bola, ela falhou redondamente. Poderíamos até eventualmente ter tido sorte melhor no placar, mas, como dito, para avaliar o desempenho, é preciso esquecer um pouco o resultado, além de separar o duelo em períodos. O espaço em disputa foi nosso na primeira etapa, mas claramente não na segunda.



4) Sobre a irregular atuação contra o Avaí

E 8 dias depois, veio o duelo contra o Avaí, equipe previamente cotada para brigar contra o rebaixamento. Como se isso não bastasse, a fase turbulenta obrigava o Tricolor a buscar os 3 pontos de qualquer maneira, ainda mais jogando em seus domínios. O que se viu nos primeiros 20 minutos foi um time senhor das ações do jogo, ao tomar a iniciativa, manter a posse e abrir merecidamente o placar, em bela trama ofensiva. A troca paciente de passes culminou no lançamento de 30m de Cícero (o melhor em campo no 1o tempo) para o deslocamento inteligente de Marcinho, que escorou para Pratto estufar as redes avaianas sem dó nem piedade: 1x0 para o time da ação.

Quem apostava que o bom início indicava a volta do São Paulo encantador de fevereiro, que criava muito na frente enquanto corria riscos em demasia atrás, se enganou. O ritmo baixou, mas o domínio ainda era são paulino quando Cueva e Pratto quase marcaram gols de placa de fora da área, aproveitando dois rebotes da defesa. Talvez se Buffarini e Junior Tavares, ambos em noite absolutamente mediana e discreta, tivessem participado um pouco mais, a tarefa tricolor tivesse sido mais simples. Quiçá se o camisa 10 peruano (ainda disperso, mas visivelmente um pouco mais magro) e se Marcinho (que, em que pese a ótima participação no gol, foi anulado pelo lateral-esquerdo Capa) pudessem se fazer mais presentes no âmbito ofensivo, o primeiro tempo tivesse sido mais do que apenas bom.

Há muitos talvezes, mas o fato é que na segunda metade da partida, viu-se uma má apresentação do Tricolor. Rogerio Ceni optou por Thomaz para substituir o lesionado Thiago Mendes e, claramente batendo cabeça com o desaparecido Cueva, o meia entrou perdido e praticamente sem função, o que deu mais campo ao limitado e pouco criativo time do Avaí, que foi incapaz de finalizar sequer uma vez ao gol, embora tentasse. Entre os quase 12.500 torcedores que encararam a chuva da segunda-feira paulistana, certamente houve quem tenha tido déja vus com o Defensa y Justicia quando o adversário catarinense passou a dominar o meio-campo e deixar Jucilei (o melhor jogador do 2o tempo) visivelmente sobrecarregado. Por um bom tempo, o Tricolor não foi nem o time da ação nem o da reação e o exército mais fraco começou a vislumbrar a possibilidade de derrubar o favorito, explorando sua evidente descompensação tática que durou aproximadamente meia hora.

O descontrole só foi corrigido a 10 minutos do fim, quando o "general" Ceni lançou João Schmidt em lugar de um revoltado Cueva, que fazia mais uma atuação abaixo da crítica àquela altura, errando quase tudo o que tentou. Voltando a ter 3 homens no meio, o São Paulo parou de se arriscar, engessou o jogo e apostou na agudez de Luiz Araújo para finalmente ser reativo. Aparentemente muito disposto a recuperar o tempo perdido e a boa fase que esqueceu em algum lugar de março, o ponta primeiro arriscou um petardo de longe e depois costurou adversários feito o Taz Mania, até acabar recompensado com um belíssimo gol solo, que decretou o 2x0 no placar e os mais que necessários primeiros 3 pontos para a arrancada no Brasileiro.

Há diversos modelos de jogo válidos e possíveis, mas o time de Rogerio Ceni ainda hesita ao não definir claramente o que deseja para cada momento das partidas. É ser propositivo ou ser reativo? Agir ou reagir? Dar ou tirar a velocidade do jogo? Por ora, somos um grande meio termo com certa dose de aleatoriedade, incapaz de chover e de molhar. As peças são boas, mas lhes falta maior sentido coletivo. Há ovos para um omelete mais saboroso, e uma breve olhada para o futebol praticado por equipes como o Grêmio, o Corinthians, o Botafogo, o Fluminense e o Figueirense (este na Série B), cada um deles a seu estilo, mas todos com elencos tecnicamente inferiores ao são paulino atualmente, joga por terra a tese de que o problema seja a falta de reforços.

A vitória sobre o Avaí compra um pouco mais de tranquilidade e tempo para que um pressionado Rogerio aperfeiçoe este jogo de ação e reação. Se é verdade que esperar uma obra prima é pedir demais, cobrar sinais mais claros de evolução é importante. Tecer críticas construtivas ao trabalho do treinador e ídolo não é falta de respeito e, definitivamente, não é sinômimo de pedir sua cabeça numa bandeja. É mais do que hora do São Paulo ter convicção no que faz. Fora, mas também dentro das quatro linhas.

PS: Tem Twitter? Me segue lá: @pedro_de_luna

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